Erros eventuais de política econômica são inevitáveis. O formulador de política econômica toma decisões em ambiente de incerteza. Por isso mesmo, recomenda-se cautela ainda maior quando são aplicadas políticas não testadas ou não convencionais. Claro que situações emergenciais podem induzir a um maior experimentalismo, como na resposta dos países desenvolvidos à crise global de 2008.
As experiências dos países desenvolvidos, no entanto, não são justificativas para nossas escolhas de política econômica nos últimos anos, afinal, as condições no Brasil não eram tão atípicas.
A agenda econômica dos últimos anos foi marcada por excessivos estímulos ao consumo e a proliferação de políticas setoriais, infelizmente roubando espaço que deveria ser ocupado por reformas estruturais. Houve erro de diagnóstico.
Convém avaliar sem paixões os excessos e equívocos cometidos para assim formular políticas para sua correção. Não é a penitência que interessa, mas a capacidade de superação do problema a partir do seu reconhecimento.
A economia foi jogada em um equilíbrio inferior do ponto de vista do bem-estar social, com taxa de inflação mais elevada e crescimento menor. Usando o jargão dos economistas, teria havido um deslocamento para cima da Curva de Phillips, tal que para um mesmo nível de taxa de desemprego, a inflação é mais alta. Anos de inflação mais elevada, que é a manifestação mais óbvia das distorções inseridas no sistema econômico, acabaram prejudicando o crescimento e gerando rigidez de expectativas de inflação, realimentando um círculo vicioso.
A consequência é o maior sacrifício necessário para trazer a inflação para o centro da meta em comparação a uma situação de expectativas ancoradas e inflação menos rígida. Ancorar a inflação, além de ser, felizmente, um anseio da sociedade, é fundamental para evitar espirais futuras de inflação.
Como sair desse equilíbrio inferior ou armadilha? Gradualismo ou terapia de choque?
O tratamento de choque parece o mais adequado, à luz de nossa própria experiência. O gradualismo nunca funcionou muito bem no Brasil. No meio do caminho sempre somos surpreendidos com eventos que nos desviam de nosso objetivo. E dada a necessidade de avançar em agendas estruturais, quanto mais rapidamente desfizermos o nó criado na macroeconomia, melhor.
O instrumento para o tratamento de choque merece reflexão. E aqui há debate entre os economistas. Para aqueles que acreditam que a taxa de juros necessária para estabilizar a inflação é alta, algo como 5% ou mais em termos reais, o debate mal se coloca, pois sequer a política monetária foi para o campo neutro, sendo óbvia a necessidade de mais altas de juros, rapidamente.
Acredito que hoje a taxa de juros de equilíbrio, que permite a estabilização da inflação, está mais baixa, entre 3% e 4%, apesar de fatores como a dinâmica da taxa de câmbio e a credibilidade machucada do Banco Central jogando contra. As condições restritivas no mercado de crédito e a baixa confiança dos empresários e até de consumidores, em um contexto externo deflacionário, restringem o espaço para crescimento da demanda. A política monetária no campo contracionista estaria por trás do enfraquecimento em curso da demanda, bem como do mercado de trabalho, ainda que moderado.
Sem descartar a sintonia fina do Banco Central adiante, em um contexto de política monetária mais ajustada, a discussão sobre instrumentos da terapia de choque – para deslocar a curva de Phillips para baixo – é mais pertinente.
Terapia de choque com juros pode sair caro demais e ser até contraproducente. Mesmo no Brasil, onde o poder do Banco Central é limitado pela grande presença do crédito direcionado a taxas de juros subsidiadas, a política monetária funciona, afetando investimentos, justamente nosso ponto fraco. Adicionalmente, afeta a dinâmica da dívida pública. Num contexto internacional de menor tolerância do investidor estrangeiro, que nos catalogou no grupo dos “5 frágeis”, isso poderia se traduzir em pressão sobre os preços de ativos, como a taxa de câmbio, e até o questionamento do nosso status “grau de investimento”. No final, a eficácia da política monetária poderia ser corroída pelos seus efeitos não pretendidos.
O melhor instrumento para o choque seria a contração fiscal. Não basta neutralidade. É necessário haver contração de fato, com reavaliação bastante crítica de todas as políticas setoriais criadas, incluindo a ação dos bancos públicos. Seriam penalizados alguns para o bem de todos com a inflação mais baixa.
Como despoluir um rio? Submeter as águas a um tratamento físico-químico é parte importante do processo, mas que infelizmente enfrenta grandes limitações sem o controle do lançamento de despejos e esgotos não tratados. Um instrumento não substitui o outro: não adianta fazer mais tratamento químico para compensar a falha no controle do esgoto clandestino.
Com frequência, na nossa história, a terapia de alta de juros prevaleceu sobre a contração fiscal. Política monetária é fácil de ser executada, enquanto que a fiscal é tecnicamente e politicamente complexa. O uso intensivo da política monetária é reflexo de nossa incompetência de ajustar o fiscal. Se não formos bem sucedidos em alterar o mix de política econômica, o rio vai continuar poluído.
Boa a posição da economista, que contraria os economistas conservadores, que só pensam na taxa de juros como instrumento antiinflacionário. O exemplo do rio poluente é muito bom.