“O retrato de Arafat foi arrancado da parede do escritório e destruído sob as botas dos guerreiros islâmicos do Hamas. A bandeira palestina foi baixada e o estandarte verde do Islã tomou seu lugar. Em uma semana brutal, a rápida destruição pelo Hamas do movimento Fatah em Gaza sintetizou a mudança que se difunde por uma ampla faixa do Oriente Médio. O nacionalismo secular do tipo do Fatah começa a parecer a força fraca e o Islã radical, a força forte.” A narrativa, que está no editorial da revista The Economist, afigura-se clara como o sol que bate no deserto, oferecendo a imagem de dois pólos em conflito irredutível e sugerindo um método de interpretação da dinâmica política no mundo árabe. Nas suas escassas linhas, essa narrativa condensa os equívocos intelectuais que guiam a política do Ocidente no Oriente Médio.
A fonte oculta do editorial é o historiador Bernard Lewis. O “príncipe dos orientalistas” definiu seu paradigma há mais de meio século, quando estudou os arquivos do Império Otomano. Desse mergulho no Islã medieval e moderno emergiu a convicção de que há algo de fundamentalmente errado na cultura árabe-muçulmana. Bem mais tarde, mas sempre fiel à sua chave interpretativa original, ele cunhou a expressão “choque de civilizações”, que seria apropriada por Samuel Huntington e convertida em credo político dos neoconservadores americanos.
Sob a perspectiva de Lewis, Islã e Ocidente configuram entidades definidas pela cultura e a salvação do primeiro residiria na negação da sua “essência”, pela adoção dos valores do segundo. Na obra A Emergência da Turquia Moderna, que aborda o colapso do califado (1922), o orientalista desenha um caminho evolutivo baseado na revolução de Kemal Ataturk, o fundador da República turca e um ardente “ocidentalista”. Não é fortuito que, na hora da invasão americana do Iraque, o neoconservador Paul Wolfowitz invocasse o espectro de Ataturk ao apresentar a Turquia como “um modelo útil para outros no mundo muçulmano”.
“A doutrina ocidental do direito de resistir a um mau governo é estranha ao pensamento islâmico.” A fórmula de Lewis supõe a existência singular de um “pensamento islâmico” e pretende contrapor seu arcaísmo à modernidade ocidental inaugurada pelas Luzes. A perversão intelectual do orientalismo encontra nessa idéia a sua epítome. A doutrina do direito de resistir não emanou magicamente na filosofia das Luzes, pois já estava contida numa tradição enraizada no primeiro cristianismo. O Islã original também expressou a legitimidade da revolta, que se dirigia contra os senhores da guerra da Península Arábica. No Corão está escrito que é obrigação do fiel “combater pela causa daqueles que, por serem fracos, são homens, mulheres e crianças maltratados (e oprimidos), e clamam a Nosso Deus que os resgatem dessa cidade dos opressores”.
Intelectuais podem ser mais perigosos que generais. Quando as torres gêmeas caíram, Lewis declarou que o 11 de Setembro representava “a sirene da batalha final”, uma avaliação que é compartilhada por Osama bin Laden, e se entregou à produção de uma série de colunas clamando pela guerra no Iraque. O Wall Street Journal, onde os textos foram publicados, crismou a política da administração Bush no Oriente Médio como a “Doutrina Lewis”. O Iraque seria uma “segunda Turquia”, inventada pelos guerreiros do Ocidente que, na falta de um Ataturk, introduziam o embrião da democracia no centro do mundo árabe-muçulmano.
O funcionalismo abomina a História e substitui a complexidade da política pelo jogo maniqueísta de “essências’ em confronto”. O seu ácido dissolve tudo o que não se encaixa na narrativa das “guerras de cultura”. Mas, sob a lógica dos seus esquemas, como explicar que a Turquia só começou a se tornar uma democracia muito recentemente, e depois que se formou um governo oriundo do movimento islâmico? Ou como entender o Iraque atual, onde as forças dos EUA sustentam um governo vertebrado no fundamentalismo xiita e enfrentam uma resistência cujo eixo são os nacionalistas seculares sunitas?
Na origem histórica do jihadismo contemporâneo se encontra uma cisão da Irmandade Muçulmana egípcia, em meados da década de 1960. Atingida pela repressão do regime nacionalista de Gamal Abel Nasser, uma vertente do movimento se abrigou na Arábia Saudita e semeou o radicalismo político na seita puritana Wahabi. Daquele encontro, brotaria mais tarde, no campo de batalha do Afeganistão, o “exército da fé” de Osama bin Laden.
Paralelamente, a irmandade egípcia reconstruía seu pensamento político e aos poucos descobria os valores que hoje animam as correntes islâmicas moderadas da Turquia. Mas esse desenvolvimento do “pensamento islâmico”, um atestado da falência do culturalismo de Lewis, não pode desabrochar no Egito do regime autoritário, secular e pró-ocidental de Hosni Mubarak, que prende e tortura os dissidentes, enquanto se financia pela seletiva ajuda externa dos EUA.
Depois de bater o Fatah e assumir o controle da Faixa de Gaza, o Hamas abriu à visitação pública uma célebre prisão e câmara de tortura mantida desde os tempos de Yasser Arafat. Na época, a segurança do território era comandada por Mohamed Dalan, que construiu estreitas conexões com os serviços secretos americanos e israelenses. Quando os palestinos derrotaram nas urnas o Fatah, elegendo uma maioria do Hamas, eles não estavam cerrando fileiras com o fundamentalismo islâmico, mas abandonando o regime corrupto e violento de Mahmoud Abbas.
Não há lugar na “Doutrina Lewis” para essa constatação antiessencialista. Hoje o Ocidente se engaja na operação de sustentação do governo ilegal do Fatah na Cisjordânia e de isolamento da Faixa de Gaza. A punição coletiva aplicada aos palestinos de Gaza só pode ativar as fontes do desespero que fabricam os “mártires”. É um modo perverso de provar, contra as evidências, que Lewis sempre esteve certo.
Demétrio Magnoli é sociólogo e doutor em Geografia Humana pela USP
eu sei de umas torturas do Osama Bin Laden
como gilete em um escorregador e uma piscina de alcool
ai a vitima escorrega na gilete e cai na piscina de alcool
e tem mais quen quiser saber mais é só aadd ai no meu
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