A ligação entre as cidades de Niterói e Rio de Janeiro é feita por duas vias: a marítima, executada por barcas e catamarãs, e a terrestre, feita pela Ponte Rio-Niterói. A parte marítima da travessia era, até pouco tempo atrás, administrada por duas empresas: uma empresa privada de transporte seletivo (os catamarãs) e uma empresa estatal de transporte de massa (as barcas). Em fevereiro de 1998 a parte estatal da hidrovia foi entregue à iniciativa privada, via concessão pública, modificando de forma significativa o transporte entre as duas cidades.
Em um primeiro momento após a privatização a hidrovia Rio-Niterói possuiu duas empresas privadas, que ofereciam serviços diferenciados. Uma oferecia, via barcas, uma travessia em torno de 30 minutos. Já a outra oferecia, via catamarãs, uma travessia entre 10 e 15 minutos. Essa diferença de tempo refletia-se, naturalmente, no preço: o transporte seletivo custava o dobro do transporte de massa.
Esse modelo de hidrovia começou a se modificar quando a nova empresa privada resolveu colocar em operação catamarãs ao preço do transporte de massa. Ou seja, o usuário pagava o mesmo preço de uma barca por uma travessia entre 10 e 15 minutos em um catamarã. A modificação foi feita de tal forma que o serviço agora é prestrado quase que integralmente pelos novos catamarãs, utilizando-se as antigas barcas apenas como complemento nos horários de maior demanda. Além disso, em parceria com o governo estadual, a nova empresa privada construiu uma nova estação em Charitas, zona sul de Niterói, fazendo ligação com o centro do Rio de Janeiro.
Essa inversão de capital trouxe uma modificação crucial na estrutura desse mercado. Antes tinhamos duas empresas prestando serviços diferentes. Agora temos duas empresas prestando serviços idênticos – a travessia é feita no mesmo tempo. A antiga empresa privada de transporte seletivo sofreu uma dupla concorrência: a) a operação dos catamarãs da nova empresa; b) a nova estação em Charitas. Ambas as inovações atuaram de forma a reduzir o número de clientes potenciais da antiga empresa de transporte seletivo.
O resultado final desse processo era bastante previsível para qualquer analista mais atento: a antiga empresa de transporte seletivo não conseguiu permanecer em operação. Sua matriz de custos não conseguia competir com a nova empresa privada, de forma que para alongar sua presença no mercado ela resolveu aumentar os intervalos de travessia. Isso só trouxe mais insatisfação para os seus potenciais clientes, que diante dos intervalos regulares da outra empresa, acabaram rejeitando o antigo serviço de transporte seletivo por completo.
A interrupção do antigo serviço de transporte seletivo e o aumento da rejeição da Ponte Rio-Niterói fez incrementar a demanda da nova empresa privada. Nos horários de maior movimento (8h às 9h na parte da manhã e 18h às 19h na parte da noite) há uma demanda muito alta pelo serviço hidroviário. Como agora tal serviço é prestado por apenas uma empresa os usuários passaram a fazer críticas constantes contra a mesma. Ocorre que há uma miopia nesse comportamento.
O aumento de demanda pelo serviço da nova empresa privada só foi possível porque a mesma implementou melhorias significativas no seu negócio. Os usuários reagiram a essas melhorias de duas formas: a) rejeitando a travessia via Ponte Rio-Niterói devido aos constantes congestionamentos; b) rejeitando o serviço da antiga empresa de transporte seletivo, dado que o mesmo era o dobro do preço da nova empresa. Assim sendo, ocorreu ao longo desse processo uma clara falha de regulação.
A hidrovia Rio-Niterói é um serviço público, sob concessão da iniciativa privada. Por tal condição cabe ao Estado exercer poder regulatório sobre o mesmo, de forma a garantir o bom funcionamento do serviço. Assim sendo, no momento em que a nova empresa privada colocou em operação catamarãs ao mesmo preço das antigas barcas e inaugurou uma nova estação hidroviária já era possível predizer que a antiga empresa de transporte seletivo seria expulsa do mercado. Em outras palavras, por prestarem o mesmo serviço e dado que trata-se de transporte público, a hidrovia passou a ser um monopólio natural – situação econômica onde é mais eficiente manter apenas uma empresa em operação.
Diante disso, qual deveria ter sido o papel do orgão regulador? Ele tinha três opções: a) não autorizava a implementação dos catamarãs, garantindo assim a divisão entre transporte de massa e transporte seletivo; b) reestatizava a hidrovia, dado que a mesma passou a ser monopólio natural; c) obrigava a fusão das duas empresas. A primeira opção é pouco plausível, já que impediria a melhoria do serviço para o usuário. A segunda opção, preferida por muitos “companheiros”, recai no velho debate sobre a ineficiência do Estado na produção direta de um serviço. Já a terceira opção, mesmo diante do aumento do custo para o usuário, parece ser a melhor opção.
A unificação das duas empresas permitiria uma expansão considerável dos serviços, dadas as economias de escala. Isso resolveria os problemas de excesso de demanda nos horários de maior movimento, garantindo assim o fim das reclamações dos usuários. Além disso, diante dos constantes congestionamentos da Ponte Rio-Niterói, essa unificação poderia contribuir de forma decisiva para melhorar a ligação entre as cidades do Rio de Janeiro e Niterói.
Tudo isso não deve ser novidade para o orgão regulador. É ele quem deve ter gerência sobre todas essas questões. Ao contrário disso, seus fiscais limitaram-se a fazer anotações e vistorias na nova empresa privada. Diante dessa total ausência de regulação, as reclamações dos usuários da hidrovia Rio-Niterói tem endereço certo: não devem ser feitas à nova empresa privada, mas sim ao orgão regulador, à AGETRANSP.
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