O mundo ingressou nos últimos meses em nova fase de incerteza econômica. A face mais visível da piora de percepções está associada à crise fiscal na área do euro: Grécia, Portugal, Espanha, Irlanda e Itália. A situação específica de cada país difere da dos demais — a Itália tem uma dívida grande, mas um deficit sob controle, a Espanha está na situação oposta, enquanto a Grécia está pior do que as duas em ambas as dimensões —, mas eles têm em comum a necessidade de um forte ajuste fiscal. Compõe o problema a elevada dívida privada em Portugal e Espanha, que em um quadro adverso pode levar a grandes perdas para os bancos e à necessidade de socorro estatal, elevando ainda mais a dívida pública. A Irlanda já teve de enfrentar esse problema.
Qualitativamente, essa situação tem bastante em comum com a experiência brasileira na segunda metade dos anos 1990. Com a queda da inflação, a má situação financeira de parte do sistema financeiro nacional ficou evidente e o governo teve de aumentar a dívida pública em alguns pontos percentuais do PIB para sanear essas instituições. Com as crises da Ásia e da Rússia, a capacidade do governo de continuar financiando seu deficit com investidores estrangeiros desapareceu e foi necessária uma reforma fiscal para trazer o resultado primário de menos 1% do PIB para mais 3% do PIB, sendo esse o tamanho do ajuste necessário para estabilizar a razão dívida pública/PIB. Passada mais de uma década, o mercado ainda acompanha com atenção, mês a mês, o resultado primário do governo e a dinâmica da dívida.
Quantitativamente, porém, a situação na Europa é mais complicada. Primeiro, os países no centro da crise têm maiores deficits primários que o Brasil e, portanto, necessitam de um ajuste maior. Segundo, o Brasil pode desvalorizar a moeda e compensar, com a ampliação das exportações líquidas, o efeito contracionista do ajuste fiscal, o que esses países não podem fazer. Terceiro, a maior parte do ajuste fiscal no Brasil foi feito via aumento da carga tributária; na Europa, a carga tributária já é das mais altas no mundo.
A maior parte do ajuste vai ter de ser via corte de gastos, como a redução dos salários de servidores públicos, o que é politicamente mais complicado. Nossa experiência nos anos 1980 mostrou como isso pode atrapalhar a implementação do programa de ajuste. Há um risco razoável, portanto, de que os países mais endividados promovam algum tipo de calote, com o pacote de ajuda de US$ 950 bilhões aprovado pela União Europeia e o FMI servindo mais para se ganhar tempo do que para dar uma solução final ao problema.
A China também está passando por momento de incerteza associado aos estímulos dados em 2009 para manter o PIB em forte crescimento. De um lado, há pouca clareza sobre qual a qualidade dos créditos dados pelos bancos públicos, que cresceram muito rápido e, como tende a ocorrer nessa situação, com menos rigor do que numa situação normal. Já se sabe que uma proporção relevante das operações com governos municipais está comprometida, mas não é claro qual sua magnitude, com quem estão esses créditos e se o governo central virá em socorro. De outro lado, há receio de que o fim das medidas excepcionais de estímulo, em especial no setor de construção civil, gere uma desaceleração maior do que deseja o governo. De fato, sequer está claro ainda o tamanho da reversão de políticas que o governo intenciona.
Nos EUA, a dúvida principal diz respeito a que dinamismo a demanda privada manterá uma vez descontinuados os programas públicos de estímulo ao consumo. O fim da compra de papéis lastreados em hipotecas já elevou os juros no financiamento da casa própria. Ainda não se tem dados sobre o tamanho da queda da demanda por residências com o fim do bônus dado pelo governo federal, mas já se viu na venda de automóveis, que gozou de um estímulo semelhante, que ela pode ser significativa. Também há preocupação com o impacto da desvalorização do euro sobre as exportações americanas. Por fim, e ainda mais importante, há receio de que o necessário ajuste fiscal dos EUA em 2011 termine por frustrar as projeções de que o crescimento robusto esperado para este ano se repita ano que vem.
Há duas implicações principais desse quadro para o Brasil. A primeira é que devemos continuar enfrentando um ambiente externo volátil e sujeito a aumentos abruptos na aversão ao risco. A outra é a necessidade de não esperar demais para reverter as medidas de estímulo adotadas em resposta à crise de 2008.
Fonte: Jornal “Correio Braziliense” – 26/05/10
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