Ainda bem que os capitais não viajam de avião. Talvez fosse o caso no passado, quando se acreditava que o capital era uma relação social; hoje, não passa de um lançamento contábil, uma movimentação no “cyber-espaço”, uma troca de informações eletrônicas que dispensa acompanhantes e apontadores. As facilidades de comunicação e, principalmente, a homogeinização de regras, protocolos e padrões jurídicos e de negócio, de fato permitem que os negócios trans-fronteira possam ser conduzidos à distância; como se os capitais caminhassem em linha reta, sobre superfícies planas.
Note-se que isto vale para o que a vulgata marxista chamaria de “capital financeiro”, mas também para as outras variedades de capital, valendo talvez a máxima segundo a qual, nesse assunto, os adjetivos passam e o substantivo permanece. Na verdade, é do investimento direto estrangeiro (IDE) no Brasil que cabe falar, após o prodigioso número observado no mês de junho de 2007: US$ 10 bilhões em um único mês.
Já nos ocupamos, neste espaço, do fenômeno conhecido como “descolamento”, segundo o qual, obedecidos os cânones internacionais, certas particularidades nacionais, uma delas a política, passa a ter muito pouca importância na participação das nações no mundo globalizado. Parece que os aeroportos também perderam importância, quem sabe até pelo contrário: quando é verão, tudo o que não funciona vira uma oportunidade de investimento. É tanto bom humor que investidor internacional, depois de ouvir a fala zangada da Ministra Dilma, liga entusiasmado para os parceiros brasileiros perguntando sobre a privatização dos aeroportos. Nada como o verão.
A mais recente sessão de divulgação periódica das estatísticas sobre o “setor externo”, a cargo do Banco Central (BC), trouxe diversas novidades interessantes sobre o que Machado de Assis, chamou de “o meneio dos capitais”.
Embora principal manchete tenha sido, como já mencionado, os US$ 10 bilhões observados em junho, é de se notar que no acumulado de 12 meses, estamos em US$ 21 contra US$ 19 bilhões, um aumento de uns 15%, nada mau, embora não seja propriamente um recorde panamericano. Essas estatísticas, às vezes, ficam muito sensíveis a transações pontuais, como, aliás, foi o caso: uma única operação de compra de ações de minoritários por uma grande empresa estrangeira de metalurgia responde por metade do, ainda assim portentoso, número para junho.
Tão importante ou mais, talvez tenha sido o que se passou com o investimento direto brasileiro no exterior: foi de US$ 28 bilhões ano passado, em razão de uma aquisição feita pela Vale do Rio Doce, e este ano está em menos US$ 3 bilhões. O investimento estrangeiro em bolsa, surpreendentemente, não é um destaque tão espetacular – US$ 7,5 bilhões contra US$ 4,1 para janeiro a junho de 2007 contra 2006 – quanto as entradas de investimentos em títulos públicos de renda fixa: foram de menos US$ 6,0 bilhões em janeiro-junho de 2006, US$ 7,3 bilhão positivos para julho-dezembro de 2006, e US$ 16,5 bilhões para janeiro-junho de 2007.
Não há dúvida que, com a aproximação do “grau de investimento”, os títulos públicos de renda fixa estão fazendo um enorme sucesso com investidores estrangeiros, muito mais que a bolsa, se olharmos apenas os fluxos cambiais.
Como resultado disso tudo, no conjunto das contas externas do país, o que se vê é que a conta de capitais finalmente acordou. O saldo do conjunto de todas as contas envolvendo capitais atingiu US$ 60 bilhões em janeiro-junho de 2007 contra US$ 16 bilhões no ano de 2006. O leitor deve lembrar que quase toda a tinta despendida no assunto da abundância de dólares desde 2003 teve a ver com o “mega” superávit comercial. Os capitais demoraram a se habituar com o PT, e também a perceber o tal “descolamento” acima mencionado. Daqui em diante, é possível que venham dominar a cena.
A repetir-se o que se passou no primeiro semestre de 2007, as nossas reservas tendem a aumentar a um ritmo superior aos US$ 100 bilhões anuais. E isso sem pensar em “grau de investimento”. Nunca antes, em termos reais, é claro, a nossa moeda foi tão valorizada, e o leitor ainda não viu nada.
(Época, 03 de agosto de 2007)
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