Construir cenários nunca foi uma tarefa das mais simples, ainda mais quando atravessamos a crise mais intensa e de mais difícil prognóstico dos últimos 70 anos. A única certeza que se tem, por enquanto, é de que o mundo deve atravessar um período recessivo, faltando saber sua intensidade e se longevo ou breve.
Na semana passada, em evento patrocinado pela Universidade Veiga de Almeida no Rio de Janeiro, ministramos uma palestra sobre a crise e seus efeitos no mundo e na economia brasileira.
Denominada “Crise Mundial: será que o pior já passou?”, foi marcada por um otimismo cauteloso em relação aos próximos passos da economia mundial e brasileira. Fazemos a seguir, uma breve resenha sobre o que foi apresentado sobre o desempenho da economia mundial e, por tabela, da brasileira, para muitos já se descolando da fase mais aguda da crise.
Cenário Global
Sobre os cenários para a economia mundial, o FMI, o OCDE e o Banco Mundial, nas suas projeções, indicam uma recessão global neste ano de 2009. Uma hipotética recuperação parece remota, mas pode ocorrer ao longo do segundo semestre, mais concentrada no quarto trimestre.
A OCDE projeta uma retração de 2,7% em 2009, com fluxo de comércio despencando 13,2%. Estima os EUA encolhendo 4,0%, Zona do Euro recuando 4,1% e Japão 6,6%. O Banco Mundial acha que neste ano de 2009 o PIB global deve recuar 1,7%, a primeira queda desde a 2ª Guerra Mundial, em razão de uma queda de 2,9% da atividade nos países ricos.
Já o FMI projeta uma crise duradoura, com lenta recuperação da economia mundial. A retração global, neste ano, será de 1,3%, com as maiores quedas no Japão, Zona do Euro e na Rússia. Para o Brasil a projeção é de uma retração de 1,3% neste ano e uma recuperação no ano que vem, com crescimento de 2,2%.
Nos EUA, na semana passada foi divulgado um indicador prospectivo mostrando a fase aguda da crise, entre o quarto trimestre do ano passado e o primeiro deste ano. O PIB do primeiro trimestre de 2009 acabou mergulhando 6,1% contra o trimestre anterior, em termos anualizados, depois de recuar 6,3% no quarto trimestre de 2008. Este foi o terceiro trimestre negativo, com as maiores quedas vindo dos investimentos, das exportações e dos estoques.
Um consolo veio do consumo das famílias que não recuou, muito pelo contrário, avançando 2,2%, o que pode ser um bom sinal, já que estes representam cerca de 70% do PIB dos EUA. Além disto, os estoques recuaram fortemente, sinalizando uma retomada da produção para breve. Ou seja, estes indicadores de consumo e de estoque podem ser um indício de que o pior da crise já passou, havendo grandes possibilidades para uma retomada ao longo dos próximos meses.
DESEMPENHO DO PIB NORTE-AMERICANO TRIMESTRAL ANUALIZADO
Por outro lado, um dado preocupante veio da moratória da Chrysler, o que pode se propagar por outras montadoras, como a GM. Alguém tem dúvidas sobre a situação precária desta montadora? Uma boa notícia veio de que, pelo teste de “stress”, os 19 bancos envolvidos se mostraram mais capitalizados do que o esperado, embora seja inevitável que algum seja forçado a obter mais recursos públicos. Somado a isto, cerca de 100 fundos se mostraram interessados em ingressar no fundo público privado que administra os ativos tóxicos. Isto pode ser um sinal de que, ao contrário que muitos pensavam, haverá demanda para estes ativos. Por outro lado, caso a confiança seja restabelecida no sistema bancário ao longo deste ano, haverá espaço para uma lenta retomada do crédito e da economia ao fim de 2009.
Para este ano de 2009, estamos prevendo uma retração dos EUA em torno de 4% do PIB, depois de crescer 1,1% em 2008, devendo se recuperar em 2010 com crescimento de 2%. O desemprego também deve aumentar muito. Uma preocupação vem da Europa e do Japão, que devem mergulhar em torno de 6% neste ano, tendo uma recuperação bem depois dos EUA.
Cenário para a economia brasileira
A recessão neste ano é uma realidade. A dúvida é saber sua intensidade. No desempenho do PIB, as projeções variam de uma taxa negativa de 2% para uma positiva em 1%. Certo que teremos um surto recessivo nesta entrada de ano, com a taxa do PIB negativa no primeiro trimestre e, possivelmente, no próximo.
Em 2008, o crescimento foi de 5,1%, mas no quarto trimestre houve uma queda de 3,6%, com o PIB industrial recuando 7,4%, em função da “seca” do crédito a partir de setembro. Ou seja, o maior impacto ocorreu na indústria, com o mercado de crédito travado, secando os financiamentos, domésticos e externos, de curto e de longo prazo (mercados de imóveis e automóveis), das exportações, e das pequenas e médias empresas.
As várias medidas adotadas até o momento, – pacotes habitacionais, renúncias fiscais em vários setores, elevação de impostos para cigarros e bebidas, corte de despesas no OGU de 2010 -, se mostraram acertadas para estimular a economia, mas terão sido suficientes? Na verdade, tudo dependerá do desenrolar da crise nos países ricos. Caso esta comece a se dissipar neste segundo semestre, a recuperação virá mais rápida para a economia brasileira.
Por outro lado, o ideal seria que houvessem cortes de despesas na manutenção da máquina pública e aumento de investimentos públicos, visando o estímulo da Infraestrutura e do PAC. Sendo assim, o maior problema se encontra na frágil situação fiscal do País.
Em desacordo com o recomendável, o governo, nos seus seis anos de gestão, aumentou muito as despesas de custeio e pouco os investimentos públicos. Agora, com o PAC estes vêm sendo resgatados, mas as despesas de Custeio, como Pessoal, seguem altas, são permanentes e tendem a tirar o espaço de manobra para o aumento dos investimentos.
No desempenho fiscal de março, as despesas continuaram em perigosa trajetória, enquanto os investimentos públicos pouco avançaram. No primeiro trimestre deste ano, estes cresceram apenas 13,1%, enquanto que os gastos de custeio e pessoal aumentaram 23,5%. Já pelo lado do setor público consolidado, o saldo primário registrou saldo favorável de R$ 11,61 bilhões, fechando o ano positivo em R$ 20,90 bilhões e 12 meses em R$ 95,9 bilhões, ou seja, 3,29% do PIB. Como a meta fiscal deste ano foi reduzida a 2,5% do PIB, sendo excluídas as despesas da Petrobras, a margem de manobra do governo para o aumento das despesas se tornou maior para este ano e o próximo.
No front inflacionário, a demanda enfraquecida é considerada importante para o controle dos preços, abrindo espaço para a flexibilização monetária. Na semana passada, o Copom avançou no seu processo de “distenção monetária”, reduzindo o juro de 11,25% para 10,25%. A dúvida é saber o que vem na próxima reunião, em junho (dias 9 e 10).
Neste cenário, com a liquidez sendo restabelecida e a demanda retraída, os “preços chaves” devem fechar 2009 e 2010, em novo patamar: a taxa de câmbio deve ficar entre R$ 2,20 e R$ 2,30; a taxa de juros deve fechar este ano a 9,25% e 2010 entre 9,5% e 10,0% e a inflação deve fechar próxima a 4,0%.
DETERIORAÇÃO FISCAL, SALDOS PRIMÁRIO E NOMINAL, % do PIB (12 meses)
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