Eu não entendo como em certos assuntos os argentinos, um povo tão culto, às vezes se expressa de maneira tão tosca. Coisas que no Brasil requerem fórmulas indiretas, eufemismos e até disfarces, lá são ditas sem a menor sutileza.
Tome-se como exemplo a questão da imprensa; das ameaças, melhor dizendo, que ultimamente se tem feito à imprensa. A dificuldade que certos partidos e governos sentem em conviver com uma imprensa livre. A insistência em querer amordaçá-la.
No Brasil, isso se diz com elegância. Fala-se em assegurar o “controle social da mídia”, ou, mais extensamente, estabelecer “mecanismos sociais para o controle da mídia”.
Há, como se percebe, certo estilo. Na Argentina, não há.
Anteontem (19/10), a presidente argentina Cristina Kirchner discorreu sobre a imprensa ao discursar numa solenidade perto de Buenos Aires. No início, eu até fiquei animado. Tive a impressão de que ela se permitira um momento de sincera subjetividade:
“Às vezes penso se não seria importante nacionalizar – não estatizar – os meios de comunicação para que adquiram consciência nacional e defendam os interesses do país – não os do governo”, disse Teresa Cristina, segundo o relato feito pelo jornal “Clarín” e reproduzido pelo “Estadão”.
Nacionalizar, não estatizar; interesses do país, não os do governo. Parece que até aqui ela procurava nuances e fazia o possível para se exprimir até com certa doçura.
Mas o solilóquio presidencial não durou muito. Como se subitamente despertasse, a presidente logo acusou os jornais (cito o “Estadão”) “que reclamam do crescimento do país quando [….] foram cúmplices da política de entrega do patrimônio nacional promovida por governos anteriores”.
Ainda segundo a matéria do “Clarín” e do “Estadão”:
“A presidente disse ainda que em outros países a imprensa não faz esse tipo de crítica aos governos. A má relação da presidente com a imprensa, que sempre foi tensa, piorou nos últimos meses. Em agosto, Cristina afirmou que pretendia adquirir o controle da Papel Prensa, a principal fabricante de papel jornal do país, da qual o “Estado”, o grupo “Clarín” e o “La Nación” são acionistas”.
No Brasil, como disse, essa questão é tratada de outra forma. O que se afirma é que o PT e os movimentos que gravitam em torno dele vão “construir uma proposta” .
Poucas semanas atrás, em Salvador, José Dirceu esclareceu que sua birra é com “o abuso do direito de informar”.
E Lula, justiça se lhe faça, não se cansa de elogiar a imprensa. Está sempre louvando a inventividade dos jornais. Ao ver dele, os escândalos e desmandos que continuamente vêm a público atestam de maneira irretorquível a exuberância imaginativa da imprensa. É tudo ficção.
Publicado no blog de Bolívar Lamounier no portal da revista “Exame”
No Comment! Be the first one.