Ao anunciar que vai fechar 2016 com as contas no vermelho, o governo deixa em aberto o destino das finanças do país. Especialistas avaliam que, para tentar compensar parte do déficit de R$ 30,5 bilhões projetado para o ano que vem, a equipe econômica precisará de mais impulso na arrecadação, diante da dificuldade em cortar despesas. Para isso, dependerá de medidas como reforma de impostos ou receitas extraordinárias com concessões de infraestrutura — fontes que ainda não estão garantidas. Em meio à incerteza, a perspectiva de mais um ano de déficit já tem reflexos na economia, aprofundando a desconfiança de investidores, o que alimenta a recessão.
Se o resultado negativo previsto na proposta do governo se confirmar em 2016, o Brasil pode completar sequência inédita de três anos de déficit nas contas públicas. Em 2014, o rombo foi de R$ 32,53 bilhões, ou 0,63% do Produto Interno Bruto (PIB), o primeiro desde 1997, quando começou a série histórica do Tesouro Nacional.
Número mais realista
Para este ano, a expectativa de economistas ouvidos pelo Banco Central vem caindo e já está em 0% do PIB, indicando que eles não esperam que o governo consiga poupar para pagar os juros da dívida pública. Com o novo anúncio, a previsão do mercado para 2016, que estava em 0,5% de superávit na semana passada, também deve passar para o terreno negativo. O governo havia se comprometido no ano passado a economizar 1,2% do PIB este ano e 2% em 2016. Em julho, a equipe econômica reduziu a meta para 0,15% em 2015 e 0,7% em 2016. Agora, espera-se déficit.
Margarida Gutierrez, economista do Coppead/UFRJ e especialista em contas públicas, afirma que será difícil mudar esse cenário. Para ela, o ajuste fiscal proposto pela equipe econômica sofreu forte influência das disputas políticas e, agora, está nas mãos do Congresso amenizar a situação do quadro fiscal.
— Se o governo conseguir forçar o Congresso, pode propor uma reforma previdenciária. Outras possibilidades são a alteração do PIS/Cofins e a reforma do ICMS. Há ainda a possibilidade de retomar leilões de concessões para ter receita extraordinária — enumera Margarida.
Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra, lembra que a CPMF, deixada de lado no projeto apresentado ontem, pode ser uma saída, mas precisaria ser remodelada:
— Há algum prazo para se tomar algumas medidas tributárias nesse sentido. Talvez a própria CPMF, em um outro formato, com uma duração diferente, possa ser uma solução.
Em meio às críticas, o economista Felipe Salto lembra um ponto positivo do novo projeto. Para ele, assumir um déficit no ano que vem é mais “realista”.
— Não adianta só dizer que vai ter déficit atrás de déficit, porque aí a gente perde grau de investimento e o crescimento vai demorar mais para voltar. De todo modo, o número é mais realista que o anterior. Aquela meta de 0,7% não faz sentido.
O economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, acredita que o déficit no Orçamento do ano que vem prova para o empresariado “que quem dá as cartas, que é o governo, não sabe o que fazer”, resultando em uma perda ainda maior da confiança.
— Isso atrasa o processo de recuperação, alimenta o cenário de perda de confiança dos consumidores, que cada vez mais convivem com preocupação com o emprego — disse Agostini. — Sem dúvida, esse déficit pegou o mercado de surpresa, até porque o governo sempre empurrou com a barriga a realidade. Mas isso deixa muito claro que o péssimo cenário não é discurso de oposição.
O Congresso tem até 31 de dezembro para aprovar o projeto enviado pelo governo. Margarida diz que o agravante de um Orçamento deficitário é que ele contraria a Lei de Responsabilidade Fiscal, o que aumenta a pressão sobre o Legislativo para ceder e tentar fechar as contas do ano que vem.
— Pode ser que, a partir daí, o Congresso acelere a votação de repatriação de capitais no exterior — exemplifica a especialista.
Agostini teme que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tenha saído mais fragilizado desse episódio:
— Parece que o Levy perdeu força, tanto na sua imagem quanto na sua capacidade de colocar a casa em ordem.
Fonte: O Globo
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