O mercado abriu otimista na semana passada (dias 10 a 15) sob os auspícios de um amplo pacote de ajuda europeu, de € 750 bilhões, conhecido como “mecanismos de estabilidade” para os 16 países membros da UE. No transcorrer da semana, no entanto, este pacote foi perdendo fôlego, diante do intricado detalhamento das negociações, complexidade dos desafios a serem alcançados e falta de coordenação entre os principais países, no caso, Alemanha e França, além do ceticismo do Reino Unido.
Por aqui, com uma economia superaquecida, ameaçando crescer mais de 7% neste ano, a Fazenda tratou de anunciar mais um contingenciamento de despesas, no total de R$ 10 bilhões, elevando-o no ano a R$ 31,8 bilhões, ou 1% do PIB. Tal decisão veio de encontro à necessidade de tentar neutralizar uma postura mais conservadora do BACEN na elevação da taxa de juros. Lembremos que na reunião do Copom de abril a elevação foi de 0,75 ponto percentual, a 9,5%, patamar este que pode se repetir na reunião de junho.
Analisemos então os fatos que mais chamaram a atenção nesta semana que passou.
Pacotes ambiciosos. Na esteira do amplo pacote da União Européia e do FMI, Espanha e Portugal trataram também de anunciar seus ajustes fiscais. Ambos anunciaram cortes ambiciosos de salários dos servidores públicos, em torno de 5%, assim como congelamentos para os próximos anos, elevação de impostos, entre tantas medidas. Seus objetivos são ambiciosos. Na Espanha, a meta é reduzir o déficit público de 9,4% do PIB no ano passado para cerca de 3% em 2013 e para Portugal o corte reduzirá o déficit a 2,8% no mesmo ano. Em paralelo a isto, no Reino Unido um pacote também já havia sido anunciado com a pretensão de reduzir seu déficit pela metade, de 11,5% do PIB para 6%. A Grécia também anunciou seu pacote, de 13,9% para 3% do PIB no mesmo período. Outros países também se encontram em situação fiscal delicada e devem anunciar novos pacotes. A Irlanda convive com uma dívida líquida de 64% do PIB e numa recessão onde o PIB recuou 7% em 2009, e na Itália a dívida passa de 116% do PIB. Como resultado, estes pacotes fiscais austeros devem mergulhar estas economias numa recessão no ano que vem. Neste ano, dificilmente a região cresce mais de 1%.
Sendo assim, uma reversão de expectativas em relação à confiança dos investidores se torna complicada, visto que com estas economias estagnadas será difícil aumentar a arrecadação, contribuindo para os ajustes anunciados, sem esquecer da tensão social crescente.
Em síntese, os desafios são imensos, o que vem mantendo os investidores desconfiados e dificultando numa harmonização de posições entre os principais países membros, daí a forte volatilidade dos mercados recentemente.
Diferentes padrões de produtividade. Na amarração de uma moeda comum, o euro, impossibilitando depreciações diferenciadas em cada país, o ajuste da equação preço x quantidade acaba ocorrendo pelo controle da demanda doméstica (quantidade), visando deflação dos preços nominais (salários). Mesmo assim, o euro atingiu o menor patamar em muitos meses, cotado a US$ 1,235, beneficiando alguns países do bloco com grandes taxas de produtividade e competitividade, como a Alemanha. Isto nos leva a outro problema na União Europeia, onde países com diferentes padrões de produtividade e de competitividade externa acabam tendo que conviver num regime monetário comum.
Regras de Maastrich desrespeitadas. Outro fato a chamar a atenção é que ao longo dos anos pós União Europeia, muitas vezes, os países membros não cumpriram os limites do tratado de Maastrich, e, apesar disto, não foram punidos, nem multados. Um país que tiver seus resultados fiscais estourados, acima de 3% no caso do déficit e 60% nas dívidas, terá um prazo para realizar um ajuste. Caso este prazo não seja cumprido, terá que pagar uma espécie de multa. Não pagando esta multa, acaba expulso do Conselho da UE e por fim do bloco econômico. A Grécia já não participa das plenárias da UE, mas nunca pagou multa pelo estouro das metas fiscais.
Mega pacote europeu. O pacote europeu de € 750 bilhões (ou US$ 950 bilhões), criando uma Sociedade de Propósito Específico (SPE), deve mobilizar € 440 bilhões para as operações de compra de títulos públicos, visando manter a atratividade (ou o spread) destes. Isto permite que os títulos públicos dos países mais endividados tenham demandantes, no caso o Banco Central Europeu, mantendo seu spread em níveis aceitáveis, e amortecendo elevações nos encargos (“prêmios de risco”). Na mobilização destes recursos, existem resistências, como no caso da Alemanha, tendo que emprestar € 123 bilhões para estas operações de sustentação dos títulos dos países em situação fiscal deteriorada. O problema é que se a União Europeia abandonar os países mais endividados acabará responsável por uma crise sistêmica, com quebradeira de bancos da região, todos carregados de títulos públicos. Os bancos europeus, por exemplo, possuem em suas carteiras, € 190 bilhões em títulos públicos da Grécia.
“Sintonia fina” no Brasil. Por aqui, no Brasil, o desafio é tentar obter um crescimento equilibrado. Pelos dados recentes de atividade econômica, isto não será uma tarefa fácil. No primeiro trimestre, já se comenta num crescimento do PIB acima de 2,5% contra o trimestre anterior, o que deve jogar a taxa anualizada a mais de 10%. No ano, as estimativas já se aproximam de 7% de crescimento, bem acima do chamado “produto potencial”, estimado entre 4,5% e 5%. Nos indicadores da economia real isto parece bem claro, com a indústria devendo crescer acima de 12% neste ano e o varejo em torno de 10%, com o desemprego abaixo de 7% da PEA e a inflação, pelo IPCA, em torno de 6%. Só para ilustrar: a produção industrial nacional cresceu 18,1% no primeiro trimestre deste ano, contra o mesmo do ano passado, e as vendas do varejo avançaram 11,3% no primeiro bimestre, reforçando este crescimento explosivo no ano. Com isto, as importações dispararam, levando o saldo comercial, no acumulado até abril, a recuar mais de 64% contra o mesmo período do ano passado, e as projeções de inflação já jogam o IPCA acima de 6% e o IGP-M em torno de 8,5%.
O governo, observando este crescimento explosivo, anunciou um “contingenciamento de despesas” em torno de R$ 10 bilhões, depois de anunciar R$ 21,8 bilhões há algumas semanas atrás, totalizando R$ 31,8 bilhões no ano, ou 1% do PIB. Com isto, vem tentando calibrar a expansão do consumo do governo sem mexer no privado, até porque este ano tem eleições. Não mexer no privado significa evitar novos apertos monetários por parte do BACEN. Na verdade, neste desbalanceamento da demanda agregada entre consumo privado e do governo, no passado o BACEN sempre teve que atuar com a mão mais pesada diante da total parcimônia da Fazenda no controlar dos gastos. Os dispêndios voltados para a manutenção da maquina pública, com destaque para pessoal e encargos, cresceram mais de 10% ao ano, nestes sete de governo Lula, sem que nada fosse feito. Daí, o descontrole atual nas contas públicas e a necessidade de um ajuste, mesmo que tardio.
Aguardemos a próxima reunião do Copom, agora em junho, mas parece pouco provável a não elevação da taxa básica de juros. Esta pode ser mais suave, em 0,5 ponto percentual (elevada a 10%), ou mais pesada, no mesmo patamar da reunião anterior, onde o ajuste foi de 0,75 p.p. (a 9,5%). Ao fim do ano estamos projetando uma taxa de juros a 11,5%.
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