Após a segunda Guerra Mundial, ocorreram transformações na maneira de encarar os chamados países economicamente atrasados. Antes, predominava a ideia de que alguns deles iriam progredir espontaneamente, graças ao adequado aproveitamento, via mercado, de suas vocações naturais e vantagens comparativas.
Depois, a partir de 1946, ganhou força a convicção de que a fuga da condição de “atrasado” ou “pobre” exigia reformas estruturais, deflagradas via iniciativa estatal. Esse seria o caminho que conduziria à industrialização e a profundas e velozes melhorias nos indicadores econômicos e sociais. O processo que atendesse a tais requisitos passou a ser denominado como “desenvolvimento”.
Distinguiu-se então a diferença entre crescimento, onde há aumento da renda per capita sem alterações relevantes no seio da sociedade, e desenvolvimento, onde o incremento da renda per capita é acompanhado por amplas mudanças favoráveis nos indicadores. Logo em seguida, o debate desenvolvimento x crescimento foi sepultado, abatido pelo consenso de que o que interessa é o desenvolvimento. Porém, o atual comportamento dos países emergentes e do resto do mundo revela que esse debate pode ressuscitar ou evoluir em outras direções.
Tal comportamento consiste em nova mudança na maneira de avaliar a trajetória dos emergentes, mas que contém o sabor de retrocesso. Ao longo dos últimos anos, o anseio por desenvolvimento vem sendo substituído pela ambição de construir uma potência econômica. Sob esse prisma, o mais importante tornou-se brilhar no cenário internacional através do tamanho absoluto do PIB, menosprezando-se os acontecimentos na qualidade de vida da população.
Em tal contexto, os BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) tornaram-se vedetes planetárias, tidos como portadores dos predicados suficientes para se tornarem formidáveis potências econômicas. Observa-se tendência de predominar o contentamento com o único fato de a capacidade de produção estar aumentando em ritmo elevado. Espalha-se o conformismo em batalhar apenas pela grandiosidade do aparato produtivo. Esmorece a consciência a respeito das diferenças entre desenvolvimento e crescimento.
Afinal, qual é a vantagem, por si só, em figurar entre as maiores economias do mundo? Evidentemente, essa vantagem só existe quando a relação PIB/população resultar em renda per capita elevada e bem distribuída socialmente. Isto é, se o nível de consumo for alto, sem discrepâncias extremas entre as classes sociais. Um quadro com esse aspecto transparece também através de outros indicadores que detalham as condições de vida.
Nesse sentido, percebe-se a dimensão e complexidade do esforço que os BRIC precisarão enfrentar para, além de se enquadrarem no molde de potências econômicas, serem admitidos no clube dos realmente desenvolvidos, de acordo com o conceito teórico ainda vigente. Vale lembrar que o título de potência pode estar encobrindo uma série de perversidades, até mesmo o uso de mão de obra escrava e a vigência de inúmeras formas de opressão.
Ao longo do século XX, os Estados Unidos tornaram-se o melhor exemplo de nação que atingiu, concomitantemente, a condição de desenvolvido e de potência econômica, além de adquirir gigantesco poderio militar. Porém, isso não significa que destino semelhante esteja reservado a todos os BRIC, mesmo se lograrem assumir a feição de potência. Por exemplo: no caso da Índia, por mais que sua economia aumente de porte, são remotas as chances de haver substancial redução em seus enraizados desequilíbrios sociais e regionais e de rompimento de estratificações de várias naturezas.
As possibilidades do Brasil são maiores, por ser uma nação jovem, com população menos gigantesca, não engessada por hábitos e tabus semi-medievais, com maior mobilidade social e detentora do elevado índice de urbanização de 86,1%. Porém, nosso país corre o risco de satisfazer-se com a honra de subir ao pódio das economias de maior porte, acomodando-se à realidade de abrigar contrastes acentuados que regridem lentamente, ou de forma vulnerável.
Uma hipótese, que não convém ser descartada, é a de que o conceito pós guerra de desenvolvimento esteja ultrapassado, ou ainda é utópico. E aceitar que cada país tenha seus próprios parâmetros para medir o grau de satisfação da sociedade ante os avanços atingidos, independente dos indicadores universais de desenvolvimento. Em alguns países, a imposição desses indicadores poderia até mesmo ser vista como agressão às suas tradições.
Em sintonia com essa hipótese, cada nação determinaria um conjunto peculiar de objetivos máximos e seguiria seu próprio caminho em direção a eles. Nesse caso, teríamos que nos conformar com o ostracismo da maior parte dos símbolos de desenvolvimento concebidos no pós-guerra e, assim, conviver com a heterogeneidade profunda entre os perfis sociais, econômicos, políticos e culturais das nações tidas como bem sucedidas.
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