Enquanto o governo atual gasta bilhões de reais concedendo subsídios creditícios e isenções tributárias a setores escolhidos por seus tecnocratas, sem qualquer critério claramente definido, as empresas não agraciadas pelas benesses governamentais enfrentam um périplo diário na sua luta pela sobrevivência. Uma corajosa mudança no ambiente de negócios do país, além de custar pouco, estimularia a expansão das boas firmas existentes e o nascimento de novas, numa sadia trajetória de crescimento sustentável de longo prazo.
Há dez anos o Banco Mundial publica o Doing Business, um estudo comparativo sobre o ambiente de negócios e regulamentação de diversos países. Embora haja questões metodológicas, bem como dificuldades na construção de índices, estes servem como um bom indicador – absoluto e comparativo – sobre as condições e dificuldades para se implantar e gerir uma empresa em cada país. O documento de 2013 traz dez índices com foco em duas categorias: uma ligada à complexidade e custo de processos regulatórios – por exemplo, tempo para se abrir uma firma, registrar propriedade, tirar licenças de construção, pagar impostos e comércio, entre outros -; e outro à solidez das instituições jurídicas – proteção a investidores, resolução de insolvência, execução de contratos, estrutura regulatória e jurídica etc.
Em qualquer dimensão analisada, o Brasil aparece muito mal na foto. Na classificação envolvendo 185 países, o Brasil está em 130º lugar. Nos 32 países da América Latina e Caribe, é o 28º colocado. No item Pagamento de Impostos, o país encontra-se em 156º lugar: gastam-se aqui 2.600 horas por ano nos procedimentos tributários, enquanto no resto da América Latina apenas 376 horas, e nos países da OCDE somente 176 horas. Enquanto para se abrir uma empresa na Nova Zelândia só há um procedimento on line, no Brasil são 13 procedimentos que exigem 120 dias. No item Obtenção de Licença de Construção, o Brasil aparece em 131º lugar. Na cidade de São Paulo – usada como modelo para o país -, o tempo médio para obtenção dessa licença é de 450 dias, contra 70 na Dinamarca e México.
Nos últimos anos estudos no campo de crescimento e desenvolvimento passaram a olhar com mais cuidado dados desagregados, ao nível da firma e de setores. Teorias tradicionais de crescimento em geral assumem uma tecnologia de produção comum a todas as firmas que, embutida em um ambiente macroeconômico, irá determinar a taxa de crescimento de um país e sua renda de longo prazo. Neste mundo todas as firmas são igualmente produtivas. Alternativamente, pode-se pensar em um mundo com firmas mais eficientes e outras firmas menos eficientes e a produtividade do país será dada pela média da produtividade destas firmas. Assim, um país pode ser atrasado não porque a tecnologia de todas as firmas seja ruim, mas porque em média tem muita firma ruim e pouca firma eficiente.
Uma razão para esta má composição seria regulação e incentivos ruins, que impediriam o crescimento de firmas eficientes ou, de uma forma ou outra, premiaria firmas pouco produtivas. Altos custos para se abrir firmas e procedimentos custosos para o pagamento de impostos fazem com que a sobrevivência de firmas pequenas seja mais difícil, o que incentivaria a informalidade. Firmas no mercado informal são em geral menos produtivas – por exemplo, como não têm acesso a crédito, investem pouco em tecnologia – mas o fato que sonegam pelo menos parte dos impostos aumenta sua capacidade de competir. Desta forma o país fica com um número desproporcional de pequenas firmas pouco produtivas.
Os ganhos potenciais da ampliação da escala das empresas são elevados. Os economistas Chang-Tai Hsieh e Peter J. Klenow, em artigo de 2009 publicado no “Quarterly Journal of Economics”, estimaram que o produto da Índia e da China mais que dobraria, caso a má alocação de recursos gerada por regulação inadequada fosse eliminada. Em um artigo que utiliza dados do setor varejista brasileiro, a ser publicado na “Review of Income and Wealth”, de Vries estima que uma realocação de capital e recursos humanos das firmas menos eficientes para as mais eficientes aumentaria em mais de três vezes a produtividade do setor.
Embora esse problema aflija os empresários do país há muitos anos, pouco se tem avançado nesse terreno. Ao contrário, ao longo dos últimos anos, observa-se uma nítida deterioração do ambiente regulatório: regras são modificadas sem uma ampla discussão junto à sociedade e os investidores, subsídios distribuídos sem um critério claro, barreiras comerciais adotadas aleatoriamente em função da capacidade de pressão política das firmas envolvidas. Algumas medidas positivas – e.g., Simples – beneficiam microempresas, mas mantem as distorções para todas as demais. Nesse ambiente que premia os não necessariamente eficientes, mas os mais bem conectados, são as empresas pouco produtivas que prosperam.
A dificuldade de se fazer negócios no Brasil não apenas afeta as firmas que já estão em funcionamento, mas cria uma barreira à criação e expansão de empresas mais eficientes e competitivas, perpetuando uma estrutura produtiva concentrada em firmas ruins. A consequência desse ambiente se revela na diminuição do potencial de crescimento do país no longo prazo, como atesta a medíocre taxa média de crescimento de 2% que, pelo que se pode prever a partir dos dados atualmente disponíveis, marcará o governo atual.
Fonte: Valor Econômico
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