Recentemente foi noticiada a descoberta da primeira reserva conhecida de tálio no Brasil, no município de Barreiras, estado da Bahia. De acordo com especialistas, a jazida é a única ocorrência mundial conhecida de associação de manganês, cobalto e tálio, sendo este um metal extremamente raro, estratégico e de alto valor, que atualmente só é produzido na China e no Cazaquistão[1].
Essa descoberta provoca uma reflexão mais aprofundada sobre a importância para o Brasil do chamado “Terras Raras”, mais uma commodities disponível no País entre outras tantas cada vez mais procuradas para promover negócios junto aos países desenvolvidos (EUA, Japão, etc.) e aqueles que se destacam em altas taxas de crescimento, como a China e a Índia.
De acordo com a União Internacional de Química Pura e Aplicada (IUPAC)[2], terras raras são um grupo de dezessete metais não ferrosos, dos quais quinze pertencem à tabela periódica dos elementos químicos, todos com nomes diferentes e complicados[3]. Tais metais são utilizados numa grande variedade de aplicações tecnológicas, que vão desde a constituição de produtos simples como catalisadores à produção de materiais luminescente e, quando misturados, incorporados em aplicações de alto valor agregado como os supercondutores, além do uso dual (civil e militar).
A China produz majoritariamente esses minerais (97%) e concentra um terço das suas reservas mundiais, dividindo com a Rússia, os EUA e a Austrália cerca de 70% das reservas globais.
Retornando ao tálio, este mineral pode ser empregado na produção de materiais de alta tecnologia, como contraste em exames cardiológicos por imagens e materiais termoelétricos (motores de automóveis, caldeiras industriais, chips de computador). Também pode ser usado na produção de elemento supercondutor que são os mais eficientes meios para transmissão de energia, com mínimo de perdas. Para se ter uma idéia, um único cabo HTS[4] pode substituir o equivalente a uma linha de transmissão de uma hidroelétrica, por exemplo.
O casal escritor Toffler[5] publicou, a partir dos anos 70, um conjunto de trabalhos na tentativa de melhor identificar o avanço do desenvolvimento sócio-tecnológico do Homem, dentre eles o de título “A terceira onda”[6].
Em torno das três fases da história humana, iniciada pela revolução agrícola, evoluindo para a revolução industrial que deságua para momento da era do conhecimento com base na onda econômica que deixará em segundo plano desenfreado crescimento industrial para fomentaram novo tipo de relação de emprego, condutas, costumes, atitudes, conceitos e convicções.
Não é difícil observar que a atual conjuntura da economia globalizada e das negociações comerciais internacionais caminha para um quadro de escassez de determinados produtos em torno da alimentação e de água, simultaneamente com o aumento irreversível de itens de alta tecnologia agregada, especialmente nas regiões consideradas de primeiro mundo. Os motivos são complexos e variados, que fogem ao escopo deste artigo, mas que podem ser enumerados, superficialmente, como o crescimento vegetativo mundial, aliado ao esgotamento das fontes de matérias primas nestas mesmas regiões, acompanhadas pelo aumento da demanda mundial no consumo de produtos que promovem maior conforto, segurança e/ou acesso ao conhecimento e à informação, não tendo mais espaço físico para crescer, plantar, criar, explorar[7] e explotar[8].
Mas o que isso tem a ver com a gente? É que o nosso País percorre outra linha evolutiva, onde ocorre uma onda favorável para se desenvolver mais rápido e de forma consistente e permanente. Observe que somos detentores das principais commodities negociadas internacionalmente, na sua maioria atendendo demandas distintas entre si como as acima mencionadas: alimentação (grãos e carne), indústria (ferro e alumínio) e energia (petróleo).
Ora, temos tudo a nosso favor para a promoção do tão sonhado crescimento sustentável. O Brasil detém uma alta capacidade de projetar poder por meio do seu hard power[9], reconhecido pelos mais importantes atores do sistema internacional. Cabe ao governo federal estabelecer políticas públicas de cunho estratégicas e articular metas de longo prazo junto ao meio privado para permitir que o Estado brasileiro se organize internamente com vistas a sua perfeita consecução ao longo do tempo.
Dentre os variados compromissos que deveriam ser assumidos pelo governo federal, no estudo de caso em questão, se destacam as vias de armazenamento e de escoamento da produção, o estímulo para as empresas públicas responsáveis por políticas setoriais como a da lavra e da comercialização das terras raras e da energia nuclear, sob responsabilidade da Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e, com todo o empenho, o fomento à inovação, agindo o Estado com elo fundamental entre a academia e o parque industrial por meio de agencias reguladores e de incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento de novas tecnologias de interesse estratégico para o País.
Uma interessante fonte de recursos financeiros está sendo implantada no País. Recentemente a Escola Politécnica da USP divulgou uma ação incomum no Brasil, mas “natural” em diversos países desenvolvidos, de buscar apoio financeiro junto a seus ex-alunos bem sucedidos no mercado interno e no exterior. A transferência de recursos financeiros (Endowment)[10] da Escola Politécnica (EEP) é uma iniciativa inovadora no Brasil, inspirada nos atos costumeiros mantidos com sucesso há décadas por diversas universidades do mundo todo. Este tipo de fundo foi escolhido em razão do contexto em que se insere e dos objetivos para os quais foi criado.
A modalidade de doação em questão persegue dois objetivos conflitantes entre si: promover fluxos constantes de recursos para financiar as atividades das entidades beneficiadas e, ao mesmo tempo, buscar a preservação do poder aquisitivo do patrimônio construído. O propósito final é o de fomentar a pesquisa mediante a aprovação de projetos selecionados previamente por meio de banca composta de docentes, alunos e ex-alunos.
Tal iniciativa concorre para o desenvolvimento de uma mentalidade de “corresponsabilidade” sócio-acadêmica privada, contribuindo para uma política pública voltada prioritariamente para o tão almejado Bem-Estar comum.
Esta nova onda de desenvolvimento, aqui denominada de Quarta onda, baseada no impacto irreversível das principais commodities relacionadas com a alimentação, matéria-prima industrial básica e de emprego em produtos de tecnologia de ponta e de fonte energética, somente será percebida e empregada em prol dos melhores interesses brasileiros se houver, de fato, um pensamento estratégico consolidado e promovido em todas as instâncias do governo federal como uma verdadeira e permanente política de Estado.
O binômio “alimentação[11]água potável”, instância primária das necessidades humanas, aliado à disponibilidade significativa e variada de fontes de energia e de recursos para desenvolvimento de novos produtos de ponta, são condicionantes mais do que justificáveis e suficientes para a promoção do nosso País a um nível de qualidade sócio-econômico-cultural, obtido pelos seus méritos.
A timidez brasileira das ações e gestões políticas e estratégicas relacionadas com o conceito do “soft power”[12] concorrem para a restrita capacidade de identificar oportunidades do monte aqui levantado.
A Quarta onda pode e deve ser avaliada como oportuna e decisiva para uma real mudança de eixo, por meio de um pensamento estratégico que consolide o trinômio “conhecimento, competência e compromisso” (C3) à capacidade de projetar este Poder não pela imposição, mas, principalmente, pelo convencimento, aliado ao sentimento nobre do orgulho de ser brasileiro!
[1] Sitio Inovação Tecnológica (www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=descoberta-jazida-talio-brasil) – 21/02/2011
[2] International Union of Pure and Applied Chemistry, IUPAC é uma organização não governamental (ONG) internacional dedicada ao avanço da Química, criada em 1919 com sede em Genebra.
[3] Cério, disprósio, érbio, escândio, európio, gadolínio, hólmio, itérbio, ítrio, lantânio, lutécio, neodímio, praseodímio, promécio, samário, térbio e túlio.
[4] HTS – High Temperature Superconductor (“Supercondutor de alta temperatura” – tradução direta do autor).
[5] Alvin Toffler – escritor doutor em letras, leis e ciência, casado com Heidi Toffler, também escritora.
[6] Toffler, Alvin. A terceira onda. São Paulo: Ed. Record, 2001. 3 ed.
[7] Prospecção e pesquisa dos recursos naturais. A exploração visa a descoberta, delimitação e definição de tipologia e teores e qualidade da ocorrência do recurso.
[8] Explorar economicamente os recursos naturais de determinada porção de terra. Retirada, extração ou obtenção de recursos naturais, geralmente não renováveis, para fins de aproveitamento econômico, pelo seu beneficiamento, transformação e utilização.
[9] Conceito que é principalmente usado na fundamentação teórica baseada no realismo das relações internacionais e se refere à capacidade de um Estado em relação à dimensão do seu território, da sua reserva de matéria prima e de fonte energética, aliada à sua capacidade industrial instalada e de defesa por meio das forças armadas. (Nota do autor)
[10] Endowment é o ato de transferência de dinheiro ou de bens por meio de doação a uma instituição.
[11] Agricultura e pecuária.
[12] Soft power é um termo usado na teoria de relações internacionais para descrever a habilidade de um corpo político, como um Estado, para influenciar o comportamento ou interesses de outros corpos políticos por meios culturais ou ideológicos, criado pelo professor de Harvard Joseph Nye em 2004. Hoje em dia tal competencia é praticada por meio do convencimento tecnológico, econômico e cultural.
Infelizmente, nobre mestre, a falta de planejamento de longo prazo e a aparente incapacidade de empreender investimentos consideráveis num sistema de educação de ponta deixam o Brasil sempre aquém do que poderia no desenvolvimento. Haja vista que foram esses dois fatores, aliados a vasta riqueza natural(algo que não nos falta), que fizeram de um país como Botswana o país com melhor IDH da África, superior ao do Brasil.